Agasalho

O aprendiz buscou o orientador e clamou, agoniado:

- Amigo querido, por que a contradição em que me vejo? Vivia tranquilo, quando adquiria fé. Depois de instalar a fé no coração, o sofrimento apareceu em minha vida. Se acumulei tanta confiança na Divina Providência, qual a razão pela qual tantas tribulações me acompanham? Momentos surgem, nos quais me sinto em doloroso desespero. Por que tamanho contra-senso?

O interpelado, entretanto, respondeu sem hesitar:

- Filho, não te revoltes. A Lei do Senhor é justiça e misericórdia. O Pai Todo-Sábio não podia livrar-te da provação, mas não podes negar que a Infinita Bondade te amparou com o apoio oportuno, a fim de que atravesses as tempestades de hoje com o agasalho preciso.

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Não me procures, Mãe, sob o jazigo.
Que recobres de jóias e açucenas!...
Fita o campo das lágrimas terrenas,
Levanta-te da lousa e vem comigo.

Aqui, chora a viuvez amargas penas,
Ali, geme a orfandade ao desabrigo,
Ergamos para a dor um pouso amigo
E as nossas dores ficarão pequenas!...

Transformemos o luxo, Mãe querida,
Em consolo, agasalho, pão e vida,
Na inspiração do bem que nos governa!...

E seguiremos juntos, dia-a-dia,
Convertendo a saudade escura e fria
Em bendito calor de luz eterna.

Becos da minha terra...
Amo tua paisagem triste, ausente e suja.
Teu ar sombrio. Tua velha umidade andrajosa.
Teu lodo negro, esverdeado, escorregadio.
E a réstia de sol que ao meio-dia desce fugidia,
e semeias polmes dourados no teu lixo pobre,
calçando de ouro a sandália velha, jogada no monturo.

Amo a prantina silenciosa do teu fio de água,
Descendo de quintais escusos sem pressa,
e se sumindo depressa na brecha de um velho cano.
Amo a avenca delicada que renasce
Na frincha de teus muros empenados,
e a plantinha desvalida de caule mole
que se defende, viceja e floresce
no agasalho de tua sombra úmida e calada

(Cora Coralina)